Um conto da minha mente

Era um jardim desnudado de tudo. Abandonado aos ataques do vento, havia-se desvanecido em diversos tons de cinzento. Nele apenas restava eu. E eu esperava, procurando manter viva e ardente a memória do que fora outrora o jardim. “Que paisagem alegre quando faz bom dia! Por ela aqui me ponho a esperar.” Mas o frio trespassava. Por fim me vi a ser levado de volta ao prédio, com o apoio da ventania; contra a mesma, por mim esvoaçou uma rapariga branca como se toda de luz, vindo pousar no banco onde eu estivera. O seu rasto de luz fez-me romper a curiosidade, e isso chegava!, chegava como desculpa para eu voltar atrás. Fui ter com ela, para saber se também ela esperava alguém naquele sítio. A rapariga foi muito direta, “sejamos sinceros, eu não existo”, e dei por mim a olhar para um banco de pedra resistindo sozinho ao frio. Deixei-o, deixei-me levar pelas aragens outra vez, e outra vez a sua voz ressoou, “espera, não fiques assim confuso, não te ponhas de um lado para o outro. Vem ter comigo.” No banco de pedra sentei-me ao lado dela. O frio trespassava, mas ela quanto a isso apenas dizia “que queres, está frio”. Tocou-me na mão: a ideia de eu ter alguém comigo confortava-me. Abracei-lhe para me aquecer, “eu não quero ficar mal com este tempo”, e foi bom sentir o calor da sua pele contra a minha, os seus braços cobrindo-me, e depois o toque das suas mãos na minha cara, descaindo, deixando um rasto de calor. Estava a ser muito pessoal, e eu sentava-me sozinho no banco de pedra. Espirrei, senti o meu peito arranhado. Só se ouvia o vento. Às vezes passava por perto uma ou outra pessoa como aquela que ia ali sozinha. Estava a entrar num prédio. As coisas movem-se à nossa volta mas muitas vezes nem nos damos por elas. Creio que tenha sido a única pessoa que passara por perto, mas a minha preocupação estivera noutro lado, o que eu quisera era um pouco de luz como aquela rapariga que afinal nunca estivera comigo. Tendo entrado a pessoa no prédio, o vazio voltou a predominar por completo nas ruas e no jardim. Era um jardim desnudado de tudo, abandonado ao desinteresse. O vento rugia contra as coisas: a pedra do banco mantinha-se firme e as paredes dos prédios também. Não queria ficar mal com este tempo, não estava ali a fazer nada. Deixei-me seguir o rasto da outra pessoa, com o apoio da ventania, e entrei no prédio também.

O céu humano

Passam os carros, erguem-se os prédios, é esta a minha paisagem, e eu nela não me vejo, estou algures entre a negrura muda da multidão. Tão pequeno me sinto, que me faz querer gritar: ressoar a minha voz contra o que se move e contra as paredes, contra o cimento sem cor e o céu cinzento. Quero elevar o meu ser aos céus! “Olhem para mim, o que sinto é mais forte do que toda esta banalidade das coisas, não deveria de pertencer aqui.” Depois apercebo-me novamente no real. Muito pequenino, atravesso a cidade, desaparecido na multidão, e é assim que as coisas são. Pois ninguém quereria olhar para mim. Por detrás de cada um dos rostos mudos carrega-se uma vida com todo o peso de ter sido vivida. Se desse peso fossem descarregadas algumas lágrimas, não o seria em público certamente: que as nuvens se encarregassem disso por nós. E começa a chover na cidade. Um silêncio de água a escorrer pelas paredes, contra o chão e contra as coisas que se movem, abafando quaisquer ruídos. À chuva se pode chorar à vontade, água com água ninguém diferencia, estaríamos a chorar com o céu inteiro uma coisa que é do tamanho do céu, e no entanto resume-se à pequenez das nossas lágrimas.

Disposta a uma pequena conversa?

Realmente hoje estás muito bonita, sim.

Dir-te-ia isso, se te falasse. “Adoro como estás hoje.”

Poderia dizer tanta coisa. “Desculpa, eu sei que já não nos falamos, e eu sei também que é tudo por minha causa.”

“Gostava que voltássemos a ser amigos como dantes. Que parasses de me evitar, que parasses de te sentir tão pouco à vontade comigo. Gostava…” Se eu for capaz de conversar contigo, não poderei ser mais honesto.

Afinal, é esta a minha maneira de pensar, é esta a minha maneira de ser. Só nunca to mostrei. Falava-te, mas eram raras as vezes em que acabávamos mesmo por conversar. (Eu também não sei como realmente és.)

Gostava de voltar a ir ter contigo e poder dizer, pela primeira vez, “é assim que sou”. Eu enfraquecia tanto quando me aproximava de ti e, com efeito, assim me acabaste por ver. Gostava de uma segunda oportunidade. E eu que já te vejo de maneira tão diferente! “Adoro como estás hoje.”

Um errante no seu rumo

Frente a um lago a forma do meu ser espelha-se vaga e ondeante como num sonho próximo. Deixo a imaginação completá-la enquanto procuro reconhecer-me. Deixo-me divagar pela imaginação.

Sim, bem me lembro desse outro que vejo... Esboçava um sorriso para a vida, aninhava-a entre si, e lá voava leve pelo vento que a vida em turno lhe retribuía. Algo dentro do seu espírito era calor e frescura, e sorria.

Cores do outro lado da água
Tão de fora deste lado do mundo.
Só de pensar que já foram minhas…

E lá bem no fundo ainda há as que me restam mas eu, tão distante delas, mal noto que murcham sem mim. Eu, tão distante delas… e aqui assim pelas que em distância ficaram de mim.

Não, não descanses - ressoa uma voz - descansando dá-te tempo para pensares que não és nada ao sentires-te assim. Uma voz sem palavras, um eco vazio mas devastador na alma, relembrando a alma do quanto está vazia. Uma voz que esbate contra a água e a torna fria, sólida, num gelo que se quebra estilhaçando tudo.

Via uma pessoa firme na sua confiança de que voaria mas não se perderia. Vejo-a a estilhaçar-se.

Tempo de prosseguir, já não há nada para ver aqui.