A entoação do silêncio

Bela jovem pálida,
Os teus lábios mantêm-se cerrados numa cor murcha.

Mas do silêncio da tua palavra desabrochou uma flor. Várias pétalas que se abriram para todos os lados, procurando nesse vácuo respirar algum tom de cor.

Pouco mais são os seus vermelhos e azuis vagos traços enevoados… pouco mais são do que uma mancha no vazio onde se viram nascer atordoados… no teu vestido, onde se espelha a negrura - túmulo em que se cala a pele, e jazes tu como morta, mesmo respirando ainda.
De onde surgiu a flor então? De uma luz proferida: da sua entoação. Palavra colorida, antes de abandonada à ressonância do silêncio e deixada esquecida.
(Rendida a palavra a esse novo silêncio, e prepara-se já a flor para murchar, ainda agora nascida.)

Bela jovem pálida,
Cruzam-se as tuas mãos: um constrangimento de quem já há muito não respira a liberdade do ar livre, da luz fresca, da vida entoada. Na escuridão deixaste-te perder, esqueceste-te. Acorda, para relembrares como realmente és. Acorda os teus lábios e volta a proferir luz.

Impõe a tua voz

Escuridão transparente, tão onde tanta gente te espera que a ninguém surpreende, existes porquê, se só te pões a existir quando te precisam? Não és ninguém realmente. És a tua própria sombra.

Canta-me a tua arte, sombra, e deixa-me ouvir-te. Deixa-me saber quem és nessa tua presença. Deixa-me saber que és presença. Eu? Eu não sou ninguém. Sou uma voz. Mas peço-te. Os outros à tua volta poderão não o fazer. No plano onde tu no teu caminho te cruzas com os outros, e os outros contigo, és sombra e não te apercebem. Não to dirão. Mas peço-te eu. Sou aqui uma voz, és aqui o teu pensamento, e o nosso diálogo é teu, todo teu, só teu, não há espaço para te intimidares. Não sou ninguém, mas falo-te e tu ouves-me, portanto existo.