Achando-te, perdi-me

Ainda és a única: digo-o duvidando do meu próprio pensar. Ainda te vejo, sem a fantasia que te envolvia. Já não és princesa, o brilho caiu com a coroa que imaginava em ti, e o que sobrou, foste tu.

Rapariga normal de todos os dias, defeitos e virtudes fazem-te pessoa única, tal como às todas outras; não mais a personagem ideal que me eras outrora. E vejo-te em passos normais, falo-te normalmente, sorrimos e olhamos por ser normal; vulgar situação, mas por detrás do meu olhar há um outro, aquele com que me vias antes e que o escondo agora de ti. Ele ainda lá está, e tu ainda o apanhas quando te apanho eu a olhares-me, escondida de mim; ou apanham-no outros por ti, para ti.

Escureceu a tua luz, mas não se apagou; desapareceu o brilho, mas a chama ainda lá está quando me dedico a reparar nela. E eu quero dedicar-me a reparar nela. Ainda me és a única entre sombras, não pela vaga forma que luz cega, mas por todo o teu ser que o vejo agora mais definido. Ao aperceber-me disto, ao achar-te, perdi-me.

Já não sei o que tu pensas, já nem sei o que hei-de pensar; tudo continua com normalidade, o tempo também. Mas este é duro: passando a correr, passa e muito; tempo até é muito, até se pode fazer muito, não o fazer é excesso de tempo mal aproveitado. Mas ele corre e passa rápido.

Oportunidades do tempo (iii)

Quando uma pessoa, esvoaçando pela vida, se vê pousar sobre a chamada de uns outros olhos, de uma outra pessoa; tímida, esta ou aquela, um obstáculo inevitavelmente forma-se. De inicio apenas uma rajada forte que sopra ao tentarem aproximar-se. Mas passado o tempo transfigura-se em parede transparente, sentida só com a mente mas separando tanto como qualquer outra, anunciando um limite entre os dois, derradeira consequência de terem chegado ao limite do tempo.

É um percurso em que o tempo na sua rodagem mostra os tímidos a sonhar apenas. Pessoas que anseiam por se aproximar de outras: estar com elas, sentir a presença delas, ouvir a voz delas. E chamam-nas com os olhos, contentando-se em esperar, contentando-se em pairar entre sonhos e possibilidades, e não fazem nada.

Um percurso eterno, não por não ter fim, mas por não se deslocarem do seu começo.

Sonham, e deixam-se divagar. Nos sonhos, andam e andam, avançam com a vida, vendo novas caras, novas paisagens, em vontade rejuvenescida; ou recordando velhas amizades, velhos eventos, a vida passada, romantizada. Andam, porque sabem que qualquer momento as poderá levar mais próximas daquelas que anseiam ver. E nos sonhos aproximam-se, sentindo o conforto da presença tão desejada, enchendo-lhes o sentido da vida. Depois acordam.

Um sonho acaba sempre como começa: o seu fim é o regresso da realidade.

"Pois as coisas fazem-se: não fazendo nada, vão-se as oportunidades, deixando reles o doce rasto das ilusões! Fazer, para acaba-las; fazer, pois só assim se concretiza o que desejamos, e o sonho pára de ser ilusão - ou não se concretiza nada, e a ilusão pare também – agora antiquada, agora desgastada de toda a sua doçura. Assim, e que venha a próxima onda de ilusões. Não lhas será dado espaço para se acumularem em demasia, se algo nisto tudo atrevo-me a aprender, e não terão peso para me afundarem uma vez mais" nesta deambulação que é a vida por vezes.

Passadas as oportunidades do tempo,
Só sobra um vago rasto de ideias por completar…
Aí é tarde: acabou.
Poeira que com o tempo acaba por assentar.
Que cada um se contente com o que semeou.

E para quem o vento veio com uma nova oportunidade, não tendo o tempo ainda imposto as suas garras, é só decidir: não fazendo nada, e nada mais será esta oportunidade que uma outra recordação vulgar, destinada a cair num esquecimento mal venha uma outra, tempo depois, sofrimento depois. É só decidir:
- Quero-a, dou-lhe valor, por isso não a deixarei desvanecer-se em pó.