Apagar-me por um pequeno momento

Apagam-se as luzes da vida, apago-me da vida, mas não estou como morto. Apenas repouso.

Das janelas estampam-se cores distantes e indistinguíveis, nada perturbando a escuridão. Luzes que decoram o resto de uma paisagem sem luz.

Nada mais há.

No meio do nada, leve e livre pairo, e do exterior nenhum peso me leva ao chão.

As paredes desvanecem e tudo é livre para se expandir até onde o horizonte da escuridão o permitir. Aqui neste quarto encontro-me a flutuar num universo. Aqui neste quarto há tudo, há um infinito de ideias e pensamentos e cores que se propagam infinitamente.

Assim que acabada a escuridão, leve e livre a minha mente acordará para uma nova e outra manhã.

Ares da dúvida

Com receio do peso da verdade, não ma mostraste. Deixaste-me pairar entre possibilidades, abandonaste-me. Então, só, tive que suportar o peso de estar só, na minha viagem para descobrir a verdade ou aceitar que não vou descobrir nada. Só, adaptei-me a estar só, e sofri e aprendi. Agora os meus olhos adaptaram-se a ver a ilusão que te envolve. E tu, iludida, continuas a ceder, por receio de me fazeres sofrer.

Enquanto escrevo

Uma ténue luz dourada revela na escuridão a secretária de madeira encostada à parede. Neste pequeno espaço de luz pairam ideias como borboletas. Ou sobrevoam irritantes como moscas ou perdem-se no escuro, no esquecimento.

Eu vejo-me entretido a apanhá-las e prende-las com palavras.

Na folha do meu caderno, à medida que vou escrevendo, as ideias apanhadas manifestam-se e expandem-se para além da luz, libertando criaturas de todas as diversas formas e cores para o escuro, voando em direcção a uma paisagem mítica de mármores flutuantes sobre densas florestas e cidades nos céus deixando fluir para os verdes em baixo eternos azuis de água, cintilando como estilhaços de vidro quando das nuvens os raios de sol se rompem por momentos.

Esta paisagem pinto-a atrás de mim. Não a consigo ver com os olhos, pinto-a com a imaginação. E construo-a com as ideias que fluam com as palavras, e ouço-a.

A folha branca das nuvens e da imaginação deixa cair esta maré de palavras para as linhas em baixo, desabando numa a uma, como se cascatas sucessivas, e cada vez mais me afundo neste mar. A luz do candeeiro mantém acesa na brancura das folhas o brilho das palavras que faz acender na minha imaginação estas ideias, e fluindo de página em página mantêm-se vivas as ideias, para serem vividas.

Chego ao fim deste desenho de ideias, e abandono o quarto num silêncio de repouso.

No fim, as criaturas de diversas formas e cores continuam a voar pela paisagem e a descobrirem novos recantos e lugares únicos, mesmo quando a luz do candeeiro se desvaneceu e as florestas, as cascatas, e os mármores e as cidades nos ares juntaram-se à escuridão do quarto, num esquecimento.